terça-feira, junho 29, 2010

O cinema e a vida

Eu cresci com a televisão como principal companhia. Meu pai passava a maior parte da semana fora, enquanto minha mãe passava os dias (e noites) no trabalho. Minha irmã é quase quatro anos mais nova que eu, então levou um tempo até que pudéssemos brincar juntas, até por que, nem sempre estudamos no mesmo horário, e mesmo quando estávamos juntas em casa, nossas personalidades eram distintas o suficiente para brigarmos a quase todo o tempo. Me restava então a televisão.

E eu assisti muita televisão na minha vida. Assisto até hoje. Seriados e filmes sempre foram os meus preferidos, apesar de ter gostado de algumas novelas, como Vamp e Que rei sou eu? quando era mais nova. Passei várias manhãs na casa dos meus avós, assistindo desenhos animados e filmes e séries de ficção científica com meu avô...

Talvez pelo excesso de filmes que já assisti, eu desenvolvi uma capacidade acima da média de prever o desenrolar das tramas. Claro que há tramas extremamente previsíveis, como costuma ser o caso de quase todas as comédias românticas, mas mesmo os mistérios e suspenses eu costumo desvendar antes da hora. O mais comum é que eu faça um comentário jocoso durante o filme, prevendo o que eu consideraria o final mais sacado de todos, do tipo, "ai, só falta eles estarem mortos e os fantasmas serem os vivos" enquanto assistia "Os outros" (sim, foi isso que aconteceu).

Também já me aconteceu por exemplo de um belo dia assistir um capítulo de Malhação (dá até vergonha admitir uma coisa dessas!) com uma amiga. Eu não conhecia os personagens nem sabia nada da trama até aquele ponto, mas aí o personagem que fazia o mauzinho daquela fase (não dá pra chamar um personagem de malhação de vilão, né) tinha descoberto que o bonzinho que era o seu maior inimigo e rival pelo amor da mocinha era seu meio irmão. Mais clichê impossível. Aí naquele dia o irmão malvado adoecia, tinha uma gripe, eu acho. E eu virei pra minha amiga e falei:
- Nossa! O mauzinho tá com leucemia?
E ela ficou me olhando com aquela cara de -Q?, enquanto eu continuava:
- Ué, não tá? Porque ele tá doente, ele tem um meio irmão, é óbvio que vão colocar que ele tem leucemia e que o meio irmão vai ser a única pessoa compatível, aí o meio irmão, como é bonzinho doa a medula pra ele, os dois viram amigos e o mauzinho se redime.
E nisso a menina já tava me achando doida:
- Babi, acho que sua imaginação tá fértil demais. É claro que no fim o mauzinho vai fazer as pazes com o bonzinho e virar bonzinho também, mas agora ele só tá com uma gripe.
Passaram-se meses e minha amiga veio me contar que a história tinha se desenrolado exatamente como eu tinha previsto.

Essa não foi a primeira nem a última vez que isso me aconteceu. Não acho que seja um talento especial saber quem é o vilão antes do fim do filme, ou o rumo que um seriado vai tomar ainda nos primeiros episódios, na verdade isso tira boa parte da graça das coisas, mas eu escrevi tudo isso pra chegar à isso: eu acabo olhando para a vida como se ela também fosse um filme, e acabo me relegando à posição de expectadora ao invés de agente. Eu tendo a achar que sei exatamente como cada possibilidade da minha história vai acabar, e ao invés de me jogar e viver para descobrir o final, eu deixo de fazer as coisas com medo do final que a minha lógica consegue prever ao invés de deixar a vida me surpreender. Eu me preocupo tanto com o final das coisas, que esqueço de viver o presente.

quinta-feira, junho 24, 2010

Sem notícias de Deus

Eu às vezes começo a ter diálogos internos comigo mesma e como as respostas não estavam me ajudando muito, lembrei me de que tenho um blog e resolvi tentar escrever e organizar as ideias.

Eu tenho percebido um aumento no número de pessoas no meu círculo de amigos e conhecidos que não acreditam em em Deus. É claro que isso pode ter a ver, em parte, com o fato de que eu estudei a maior parte da minha vida em escolas católicas, e que até uma certa idade (senão pela vida toda), os filhos simplesmente adotam a religião dos pais, sem refletir muito a esse respeito. É meio como se já que meus pais são católicos, eu tivesse necessariamente que ser católica também. Pelo menos foi por isso que eu fui católica por boa parte da minha vida até aqui. O que é uma mentira, por que na verdade meu pai sempre se disse ateu, e minha mãe, apesar de vir de uma família católica, desde que eu me entendo por gente só frequentou a igreja em casamentos, batizados, crismas e primeiras eucaristias. Outro dia ouvi-a dizer pela primeira vez que ela é ateia. É engraçado, mas me senti mais próxima dela naquele momento.

Mas não era esse o meu assunto, o que me intriga na observação de que eu conheço mais ateus hoje do que conhecia uns anos atrás, não é só o fato de que muitos ateus estão "saindo do armário", mas sim que ao mesmo tempo em que reivindicam seus direitos, já que liberdade religiosa deve significar também ser livre para não praticar qualquer religião, há um aumento na intolerância dos ateus com os que acreditam em Deus. Muitos dos textos que eu leio web afora, muitas das charges e quadrinhos, além do que já ouvi em muitas conversas por aí tentam desmerecer as pessoas que têm uma fé, como se isso as tornasse inferiores. Exatamente o comportamento que reclamam sofrer quando se deparam com algum fiel fervoroso. Reclamam dos que ficam tentando convertê-los, mas têm dificuldade para aceitar a fé do outro, e sentem necessidade de tentar provar que Deus não existe. Como se ter uma religião tornasse a pessoa pior.

A impressão que eu tenho é que os ateus comportam-se cada vez mais como aqueles crentes chatos que ficam tentando te convencer de que a igreja deles é a certa, e que não basta acreditar em Deus, se você não seguir a versão certa de suas regras. Há uma necessidade de se mostrar ateu e de diminuir a religião do outro, usar da lógica para mostrar que a existência de Deus, se não impossível, é muito pouco provável, e quando isso não funciona (e deve funcionar pouquíssimo, já que fé independe da lógica e da razão), começam a querer mostrar tudo o que já foi feito de errado no mundo em nome da religião, como se isso fosse causar uma culpa e uma conversão no interlocutor.

Esse comportamento para mim é difícil de entender, talvez porque eu, mesmo quando era católica, sempre tive uma visão de que todas as religiões falavam de um mesmo Deus e que diferiam apenas na maneira de vê-lo e adorá-lo, e que nenhuma maneira poderia ser mais certa que a outra, por que era inadmissível que as pessoas pudesse ir para o inferno simplesmente por que comeu carne de porco, misturou leite com carne, deixou de rezar virado para Meca, ou recebeu a comunhão ao menos uma vez no ano. As diferentes religiões sempre me interessaram muito. Sempre tive uma imensa curiosidade. Ainda me lembro de quando na minha escola em São Paulo, conheci uma menina e sei lá por que motivo falamos de religião e ela me disse que era judia. Eu não fazia a menor ideia do que significava ser judeu, e aquilo causou em mim uma curiosidade enorme. Ah, o assunto deve ter surgido por que ela deve ter faltado à aula no dia dos perdões, havia muitos judeus na escola e eles desapareciam nesse dia. Essa escola foi a única escola não-católica em que eu estudei, e mesmo assim, foi oferecido um catecismo para quem desejasse fazer a primeira comunhão. A minha foi no dia do meu aniversário...

Quando eu soube do dia dos perdões, aquilo me pareceu algo muito legal num primeiro momento, afinal, significava faltar à aula. Mas aí me disseram que não podia fazer nada no dia dos perdões, não podia comer, não podia brincar, não podia ver tv... e a minha grande dúvida passou a ser o que as pessoas fazem então no dia dos perdões? Ficam deitadas olhando pro teto ou sentadas olhando pra parede? Se não pode fazer nada, será que pode conversar? Afinal de contas conversar é fazer alguma coisa!

Eu também conhecia os mitos greco-romanos, e tentava imaginar como devia ser viver num mundo em que aqueles deuses eram tão reais como o Deus judaico-cristão. As pessoas iam aos templos em busca de respostas, faziam rituais e oferendas pedindo perdão por ter ofendido algum deus ou pedindo a sua graça. As lendas indígenas eu já conhecia há mais tempo, lideradas por Tupã. Depois eu descobri o panteão nórdico, Thor, Odin, Freya... E os egípcios com suas esfinges e pirâmides e deuses com corpo de homem e cabeça de animal? Na adolescência desenvolvi um fascínio pela Wicca, comprei vários livros, apesar de nunca ter acreditado realmente nisso. A Wicca e o neo-paganismo fizeram com que eu me interessasse pelos celtas. Tudo para mim sempre foi interessante. O induísmo, o budismo... eu nunca tinha conhecido um muçulmano, até conhecer a Merve, em Berlim, e eu tinha que me segurar para não perguntar demais sobre a religião dela, com medo de parecer preconceituosa, meu interesse era mera curiosidade, por que não dá para comparar o que se lê sobre uma religião com o que as pessoas realmente acreditam e fazem.

Tudo bem que os fanáticos e fervorosos são um saco, mas aí o problema está na pessoa, não na religião, por que a maioria das religiões surgem da necessidade do homem de explicar o mundo, e trazem consigo um conjunto de diretrizes comportamentais, conforme a necessidade de cada sociedade. O que acontece é que alguns grupos dentro de cada religião são mais conservadores e continuam tentando aplicar hoje, regras de conduta escritas séculos atrás. Mas não se pode julgar todos os membros de uma religião pelo que fazem alguns. Generalizações são más ;)

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