Hoje na hora do almoço eu estava com muito frio e acabei me deitando e me escondendo debaixo das cobertas. Liguei a TV e estava passando Lado a Lado com a Susan Sarandon e a Julia Roberts. Esses filmes de pessoas doentes sempre me fazem pensar que deve haver algo de muito errado comigo.
Nos filmes as pessoas descobrem um novo sentido para suas vidas, passam a aproveitá-las muito mais, redescobrem a sua fé e coisas do gênero. Eu não. Não mudou nada em mim. Pelo menos nada significativo.
Eu lembro que quando tive a minha primeira pneumonia e não estava respondendo aos antibióticos e a médica veio pedir minha autorização para fazer exame de HIV quando eu tentava pensar no que fazer se o exame desse positivo, por mais absurda que essa hipótese me parecesse, era estar novamente num quarto de hospital, com alguém me dando mais injeções. Eu tenho pavor, pânico de agulhas. Por isso não tenho piercings e tatuagens. Como ninguém apareceu para me dar o resultado do exame, eu obviamente já pensei que devia ter dado positivo e estava refazendo para confirmar o resultado. Nesse ponto, meu pensamento já era, 'o AZT pelo menos é via oral, né?' Vários dias depois, numa conversa sobre o curso de tratamento da minha pneumonia ela mencionou alguma coisa sobre eu ser 'jovem, sadia, HIV-negativa...'
Tudo bem, não era nada, só uma pneumonia que murchou metade do meu pulmão esquerdo, mas pouco mais de uma semana depois me deixaram voltar pra casa.
Seis meses depois, quando descobri que o pulmão não tinha voltado ao normal, e que a causa de tudo era um tumor, aí sim eu pirei. Ou melhor, antes mesmo da broncoscopia localizar o tumor, só do médico falar que provavelmente era um tumor eu já estava enlouquecendo. E mais uma vez, o problema não é que eu podia ter câncer, o meu pensamento já estava na quimioterapia, que geralmente é endovenosa, e como a medicação é muito forte vai enrijecendo as veias e vai ficando cada vez mais difícil pegar uma veia, aí tem que pegar as de calibre maior, que exigem agulhas ainda maiores... Não!!!! Agulhas, não!!!
O tumor estava lá, mas não deu pra fazer biópsia, por que sangrou demais e o sangue ainda ficou preso no pulmão e me causou um abcesso pulmonar. Um mês internada tomando antibiótico endovenoso. Olha, nos dias em que não tinha que trocar o acesso venoso nem colher sangue para algum exame, eu nem ligava tanto para o tumor e para a notícia de que pelo menos metade do meu pulmão esquerdo teria que ser retirada junto com ele. O que me incomodava era o tédio, a falta do que fazer...
Na época da cirurgia, uma coisa que eu acho que nem comentei com muita gente, é que o médico estava receoso de que, por causa da localização do tumor, tivesse que abrir o pericárdio, e isso aumentaria muito o risco da cirurgia. Mais uma vez, meu medo eram as agulhadas e não o resultado de alguma eventual complicação. Mentira, o meu maior pesadelo era acordar entubada e retirarem aquele tubo comigo acordada igual nas cenas de filmes e seriados... Era isso que me mantinha acordada à noite.
Correu tudo bem e cá estou eu, com um pulmão à menos, mas se não fosse a cicatriz entre minhas costelas, eu poderia até esquecer disso. Na verdade a falta de pulmão só serve para me permitir pedir para as pessoas fumarem longe de mim, abanar a fumaça do cigarro sem constrangimento. Na minha turma de amigos, fazemos até piada com isso. "A intensidade da fala está relacionada ao volume dos pulmões... ah, então é por isso que a Babi fala tão baixo!"
E o tumor era maligno, baixo grau de malignidade, mas tinha metástase no linfonodo do hilo pulmonar (se não me engano). Não era câncer, não tive que fazer quimio nem radio, nem nada. Retiraram tudo e pronto. Claro, sempre existe a possibilidade de que volte. Mas eu só lembro disso quando vejo alguma coisa sobre tumores, câncers, filmes de doentes terminais...
Enfim, o ponto é que eu sobrevivi e isso não mudou a minha vida. Eu não vejo o mundo de uma maneira diferente da que eu via antes. Não aproveito mais, nem vivo de maneira mais intensa. Nada disso.
Até meu pai, que adora dizer que é ateu, quis rezar para que desse tudo certo, para que eu me curasse. Eu? Em momento algum tive qualquer ímpeto nesse sentido. Há muito tempo eu me considero agnóstica, mas sempre achei que em algum momento de crise, iria querer barganhar com Deus, e isso não aconteceu. Se isso tudo mudou alguma coisa em mim, foi isso, me fez ver que eu não acredito mesmo. Se algum dia eu acreditei de verdade, essa chama já tinha se apagado há tanto tempo que não restava mais nem uma brasa que pudesse reinflamar.
Nos filmes as pessoas descobrem um novo sentido para suas vidas, passam a aproveitá-las muito mais, redescobrem a sua fé e coisas do gênero. Eu não. Não mudou nada em mim. Pelo menos nada significativo.
Eu lembro que quando tive a minha primeira pneumonia e não estava respondendo aos antibióticos e a médica veio pedir minha autorização para fazer exame de HIV quando eu tentava pensar no que fazer se o exame desse positivo, por mais absurda que essa hipótese me parecesse, era estar novamente num quarto de hospital, com alguém me dando mais injeções. Eu tenho pavor, pânico de agulhas. Por isso não tenho piercings e tatuagens. Como ninguém apareceu para me dar o resultado do exame, eu obviamente já pensei que devia ter dado positivo e estava refazendo para confirmar o resultado. Nesse ponto, meu pensamento já era, 'o AZT pelo menos é via oral, né?' Vários dias depois, numa conversa sobre o curso de tratamento da minha pneumonia ela mencionou alguma coisa sobre eu ser 'jovem, sadia, HIV-negativa...'
Tudo bem, não era nada, só uma pneumonia que murchou metade do meu pulmão esquerdo, mas pouco mais de uma semana depois me deixaram voltar pra casa.
Seis meses depois, quando descobri que o pulmão não tinha voltado ao normal, e que a causa de tudo era um tumor, aí sim eu pirei. Ou melhor, antes mesmo da broncoscopia localizar o tumor, só do médico falar que provavelmente era um tumor eu já estava enlouquecendo. E mais uma vez, o problema não é que eu podia ter câncer, o meu pensamento já estava na quimioterapia, que geralmente é endovenosa, e como a medicação é muito forte vai enrijecendo as veias e vai ficando cada vez mais difícil pegar uma veia, aí tem que pegar as de calibre maior, que exigem agulhas ainda maiores... Não!!!! Agulhas, não!!!
O tumor estava lá, mas não deu pra fazer biópsia, por que sangrou demais e o sangue ainda ficou preso no pulmão e me causou um abcesso pulmonar. Um mês internada tomando antibiótico endovenoso. Olha, nos dias em que não tinha que trocar o acesso venoso nem colher sangue para algum exame, eu nem ligava tanto para o tumor e para a notícia de que pelo menos metade do meu pulmão esquerdo teria que ser retirada junto com ele. O que me incomodava era o tédio, a falta do que fazer...
Na época da cirurgia, uma coisa que eu acho que nem comentei com muita gente, é que o médico estava receoso de que, por causa da localização do tumor, tivesse que abrir o pericárdio, e isso aumentaria muito o risco da cirurgia. Mais uma vez, meu medo eram as agulhadas e não o resultado de alguma eventual complicação. Mentira, o meu maior pesadelo era acordar entubada e retirarem aquele tubo comigo acordada igual nas cenas de filmes e seriados... Era isso que me mantinha acordada à noite.
Correu tudo bem e cá estou eu, com um pulmão à menos, mas se não fosse a cicatriz entre minhas costelas, eu poderia até esquecer disso. Na verdade a falta de pulmão só serve para me permitir pedir para as pessoas fumarem longe de mim, abanar a fumaça do cigarro sem constrangimento. Na minha turma de amigos, fazemos até piada com isso. "A intensidade da fala está relacionada ao volume dos pulmões... ah, então é por isso que a Babi fala tão baixo!"
E o tumor era maligno, baixo grau de malignidade, mas tinha metástase no linfonodo do hilo pulmonar (se não me engano). Não era câncer, não tive que fazer quimio nem radio, nem nada. Retiraram tudo e pronto. Claro, sempre existe a possibilidade de que volte. Mas eu só lembro disso quando vejo alguma coisa sobre tumores, câncers, filmes de doentes terminais...
Enfim, o ponto é que eu sobrevivi e isso não mudou a minha vida. Eu não vejo o mundo de uma maneira diferente da que eu via antes. Não aproveito mais, nem vivo de maneira mais intensa. Nada disso.
Até meu pai, que adora dizer que é ateu, quis rezar para que desse tudo certo, para que eu me curasse. Eu? Em momento algum tive qualquer ímpeto nesse sentido. Há muito tempo eu me considero agnóstica, mas sempre achei que em algum momento de crise, iria querer barganhar com Deus, e isso não aconteceu. Se isso tudo mudou alguma coisa em mim, foi isso, me fez ver que eu não acredito mesmo. Se algum dia eu acreditei de verdade, essa chama já tinha se apagado há tanto tempo que não restava mais nem uma brasa que pudesse reinflamar.
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